Material didático
7 – SOBERANIA
1.
Introdução
A exata compreensão do
conceito de soberania é necessário para o entendimento do fenômeno estatal,
visto que não há Estado perfeito sem soberania. Daí a simples definição de Estado como a organização da
soberania.
A soberania se compreende no exato conceito de Estado. Estado não soberano ou semi-soberano não é Estado. A soberania é uma autoridade superior que não pode ser limitada por nenhum outro poder.
Não são soberanos os Estados
membros de uma federação. O próprio
qualificativo de membro afasta a idéia de soberania. O poder supremo é investido no órgão federal. Foi convencionado na Constituinte de
Filadélfia, onde se instituiu o regime federalista, que as unidades estatais
integrantes da União se denominariam Estados-Membros, com autonomia de direito
público interno, sendo privativo da União o poder de soberania interna e
internacional. Aliás, é mais apropriada
a denominação de Província, para as
unidades federadas.
A soberania é una, integral
e universal. Não pode sofrer restrições
de qualquer tipo, salvo, naturalmente, as que decorrem dos imperativos de
convivência pacífica das nações soberanas no plano do Direito Internacional.
Soberania relativa ou condicionada
por um poder normativo dominante não é soberania. Deve ser posta em termos de autonomia.
Denominava-se o poder de
soberania, entre os romanos, suprema
potestas. Era o poder supremo do Estado na ordem política e
administrativa. Posteriormente, passaram
a denominá-lo poder de imperium, com amplitude internacional.
Etimologicamente, o termo
soberania provém de superanus, supremias,
ou super omnia, configurando-se
definitivamente através da formação francesa souveraineté, que expressava, no conceito de Bodin, "o poder
absoluto e perpétuo de uma República".
Historicamente, é bastante
variável a formulação do conceito de soberania, no tempo e no espaço. No Estado grego antigo, como se nota na obra
de Aristóteles, falava-se em autarquia, significando
um poder moral e econômico, de auto-suficiência do Estado. Já entre os romanos, o poder de imperium era um poder político
transcendente que se refletia na majestade imperial incontrastável. Nas monarquias medievais era o poder de suserania de fundamento carismático e
intocável. No absolutismo monárquico,
que teve o seu clímax em Luiz XIV, a
soberania passou a ser o poder pessoal exclusivo dos monarcas, sob a crença
generalizada da origem divina do poder de Estado. Finalmente, no Estado Moderno, a partir da Revolução Francesa,
firmou-se o conceito de poder político e jurídico, emanado da vontade geral da
nação.
"A soberania é uma
espécie de fenômeno genérico do poder.
Uma forma histórica do poder que apresenta configurações especialíssimas
que se não encontram senão em esboços nos corpos políticos antigos e
medievos." (Miguel Reale)
"A soberania é a
capacidade de impor a vontade própria, em última instância, para a realização
do direito justo." (Pinto Ferreira)
"Por soberania nacional
entendemos a autoridade superior, que sintetiza, politicamente, e segundo os
preceitos de direito, a energia coativa do agregado nacional." (Clóvis
Beviláqua)
2. Fonte do poder soberano
Para as teorias carismáticas
do direito divino (sobrenatural ou providencial) dos reis, o poder vem de Deus
e se concentra na pessoa sagrada do soberano.
Para as correntes de fundo democrático, a soberania provém da vontade do
povo (teoria da soberania popular) ou da nação propriamente dita (teoria da
soberania nacional).
Para as escolas alemãs e vienense, a soberania provém do
Estado, como entidade jurídica dotada de vontade própria (teoria da soberania
estatal). Desdobram-se estes troncos doutrinários em várias ramificações,
formando uma variedade imensa de escolas e doutrinas.
3. As principais
correntes
3. 1. Teoria da
soberania absoluta do rei
Começou a ser sistematizada
na França, no século XVI, tendo como um dos seus mais destacados teóricos Jean
Bodin, que sustentava: “a soberania do
rei é originária, ilimitada,
absoluta, perpétua e irresponsável em face de qualquer outro poder temporal ou espiritual”.Esta teoria é de
fundamento histórico e lança suas raízes nas monarquias antigas fundadas pelo
direito divino dos reis. Eram os
monarcas acreditados como representantes de Deus na ordem temporal, e na sua
pessoa se concentravam todos os poderes.
O poder de soberania era o poder do rei e não admitia limitações.
Firmou-se esta doutrina da
soberania absoluta do rei nas monarquias medievais, consolidando-se nas
monarquias absolutistas e alcançando a sua culminância na doutrina de
Maquiavel. Os monarcas da França,
apoiados na doutrinação de Richelieu, Fénelon, Bossuet e outros, levaram o
absolutismo às suas últimas conseqüências, identificando na pessoa sagrada do
rei o próprio Estado, a soberania e a lei.
3.2. Teoria da soberania
popular
Teve como precursores
Altuzio, Marsilio de Padua, Francisco de Vitoria, Soto, Molina, Mariana, Suarez
e outros teólogos e canonistas da chamada Escola Espanhola. Reformulando a doutrina do direito divino
sobrenatural, criaram eles o que denominaram teoria do direito divino
providencial: o poder público vem de Deus, sua causa eficiente, que infunde a
inclusão social do homem e a conseqüente necessidade de governo na ordem
temporal. Mas os reis não recebem o poder
por ato de manifestação sobrenatural da vontade de Deus, senão por uma
determinação providencial da onipotência divina. O poder civil corresponde com a vontade de Deus, mas promana da
vontade popular - omnis potestas a Deo
per populum libere consentientem.
Sustentou Suarez a limitação da autoridade e o direito de resistência do povo,
fundamentos do ideal democrático. E
Molina, embora reconhecendo o poder real como soberania constituída, ressaltou a existência de um poder maior,
exercido pelo povo, que denominou soberania
constituinte.
3.3. Teoria da
soberania nacional
Ganhou corpo com as idéias
político-filosóficas que fomentaram o liberalismo e inspiraram a Revolução
Francesa: ao símbolo da Coroa opuseram os revolucionários liberais o símbolo da
Nação. Como frisou Renard, a Coroa não
pertence ao Rei; o Rei é que pertence à Coroa.
Este é um princípio, é uma tradição, de que o Rei é depositário, não
proprietário.A este entendimento, aliás, se deveu a convivência entre a Coroa e
o Parlamento, em alguns Estados liberais.
Pertence a Teoria da
Soberania Nacional à Escola Clássica Francesa, da qual foi Rousseau o mais
destacado expoente. Sustentaram que a
nação é a fonte única do poder de soberania.
O órgão governamental só o exerce legitimamente mediante o consentimento
nacional.
Esta teoria é radicalmente
nacionalista: a soberania é originária da nação, no sentido estrito de
população nacional (ou povo nacional), não do povo em sentido amplo. Exercem os direitos de soberania apenas os
nacionais ou nacionalizados, no gozo dos direitos de cidadania, na forma da
lei. Não há que confundir a
"teoria da soberania popular", que amplia o exercício do poder
soberano aos alienígenas residentes no país.
A soberania, no conceito da
Escola Clássica, é UNA, INDIVISÍVEL, INALIENÁVEL e IMPRESCRITÍVEL.
UNA porque não pode existir
mais de uma autoridade soberana em um mesmo território.
INDIVISÍVEL, seguindo a
mesma linha de raciocínio que justifica a sua unidade.
INALIENÁVEL,
por sua própria natureza. A vontade é
personalíssima: não se aliena, não se transfere a outrem.
IMPRESCRITÍVEL, no sentido
de que não pode sofrer limitação no tempo.
Uma nação, ao se organizar em Estado soberano, o faz em caráter
definitivo e eterno. Não se concede
soberania temporária, ou seja, por tempo determinado.
3.4. Teoria da soberania do
Estado
Pertence às escolas alemã e austríaca, as quais divergem fundamentalmente da Escola Clássica Francesa.
Seu expoente máximo,
Jellinek, parte do princípio de que a soberania é a capacidade de autodeterminação
do Estado por direito próprio e exclusivo. A soberania é uma qualidade do poder
do Estado, ou seja, uma qualidade do Estado perfeito.
Dentro dessa linha de
pensamento se desenvolveram as inúmeras teorias estadísticas, que serviram de
fomento doutrinário aos Estados totalitários do após Guerra.
3.5. Escolas Alemã e
Austríaca
Para estas Escolas,
lideradas, respectivamente, por Jellinek e Kelsen, que sustentam a estatalidade
integral do Direito, a soberania é de natureza estritamente jurídica, é um direito
do Estado e é de caráter absoluto, isto é, sem limitação de qualquer espécie,
nem mesmo do direito natural cuja existência é negada.
Só existe o direito estatal,
elaborado e promulgado pelo Estado, já que a vida do direito está na força
coativa que lhe empresta o Estado, e não há que falar em direito sem sanção
estatal. Negam a existência do direito
natural e de toda e qualquer normatividade jurídica destituída da força de
coação que só o poder público pode dar.
Portanto, se a soberania é
um poder de direito e todo direito provém do Estado, o tecnicismo jurídico
alemão e o normativismo kelseniano levam à conclusão lógica de que o poder de
soberania é ilimitado e absoluto. Logo,
toda forma de coação estatal é legítima, porque tende a realizar o direito como
expressão da vontade soberana do Estado.
Em face do princípio de
estatalidade do direito, princípio Pan-Estadístico, não se concede limitação
alguma ao poder do Estado. É certo que Jellinek chegou a esboçar a doutrina da
auto-limitação do poder estatal, porém, sem nenhuma significação prática. Com efeito, se todo direito emana do Estado
e este se coloca acima do direito, ressalta a evidência de que a limitação do
poder estatal por regras que dele próprio derivam não passa de mera ficção.
O Estado não pode criar
arbitrariamente o direito; ele cria a lei, o direito escrito, que é apenas uma
categoria do direito no seu sentido amplo.
Como acentua Pontes de Miranda, “o
Estado é apenas um meio perfectível, não exclusivo, de revelação das normas jurídicas”. A lei que dele emana há de corporificar
o direito justo como condição de legitimidade.
As teorias da soberania
absoluta do Estado, malgrado o seu caráter absolutista e totalitário, tiveram
ampla repercussão no pensamento político universal, inclusive na própria
França. Justificaram os Estados
nazistas, fascistas e todos os totalitarismos, que conflagraram o mundo por
duas vezes, mas foram contidos pela força superior do humanismo liberal.
3.6. Teoria negativista da
soberania
É da mesma natureza absolutista,
e foi formulada por Leon Duguit que desenvolveu o pensamento de Ludwig
Gumplowics.
A soberania é uma idéia
abstrata. Não existe
concretamente. O que existe é apenas a
crença na soberania. Estado, nação, direito e governo são uma só e única
realidade. Não há direito natural nem
qualquer outra fonte de normatividade jurídica que não seja o próprio
Estado. E este conceitua-se como
organização da força a serviço do direito. Ao conceito metafísico de soberania.
Para Duguit a soberania resume-se em mera
noção de serviço público.
O conceito de soberania
lança raízes na filosofia aristotélico-tomista: soberania, em última análise, é
a lei, e esta encontra sua legitimidade no direito natural, que preside e
limita o direito estatal. Vale lembrar as palavras com que os constituintes
argentinos de 1853 encerraram seus trabalhos: “os homens se dignificam perante
a lei, porque assim se livram de ajoelhar-se perante tiranos.”
3.7. Teoria realista ou
institucionalista
Essa teoria vem se
destacando bastante em faces das novas realidades mundiais.
A soberania é originária da
Nação, mas só adquire expressão concreta e objetiva quando se institucionaliza
no órgão estatal, recebendo através deste o seu ordenamento jurídico-formal
dinâmico.
A soberania é
originariamente da Nação (quanto à fonte do poder), mas, juridicamente, do
Estado (quanto ao seu exercício).
Se é certo que Nação e
Estado são realidades distintas, uma sociológica e outra jurídica, certo também
é que ambas compõem uma só personalidade no campo do Direito Público
Internacional. E neste campo não se
projeta a soberania como vontade do povo, senão como vontade do Estado, que é a Nação politicamente organizada,
segundo a Escola Clássica Francesa. O Prof.
Machado Paupério tira a conclusão de que "soberania não é
propriamente um poder, mas, sim, a qualidade desse poder; a qualidade de
supremacia que, em determinada esfera, cabe a qualquer poder".
Fora da teoria anarquista, o
Estado é sempre a racionalização do poder supremo na ordem temporal, armado de
força coativa irredutível, autoridade, unidade e rapidez de ação, para fazer
face, de imediato, aos impactos e arremetidas das forças dissolventes que
tentem subverter a paz e a segurança da vida social.Embora seja poder
essencialmente nacional, quanto à sua origem, sua expressão concreta e
funcional resulta da sua institucionalização no órgão estatal.
Passando o momento genético da sua manifestação na
organização da ordem constitucional, concretiza-se a soberania no Estado, que
passa a exercê-la em nome e no interesse da NAÇÃO. Isso conduz à conceituação da soberania como poder relatvo,
sujeito a limitações.
4.1. Limitações da soberania
A soberania é limitada pelos
princípios de direito natural, pelo direito grupal, isto é, pelos direitos dos
grupos particulares que compõem o Estado (grupos biológicos, pedagógicos,
políticos, espirituais, etc), bem como pelos imperativos da coexistência
pacífica dos povos na órbita internacional.
O Estado, proclamou
Jefferson, existe para servir ao povo e não o povo para servir ao Estado. O Governo há de ser um governo de leis, não
a expressão da soberania nacional, simplesmente. As leis definem e limitam o poder. A autoridade do direito é maior do que a autoridade do Estado
(Krabbe).
Limitam a soberania os
princípios do Direito Natural, porque o Estado é apenas instrumento de
coordenarão do direito, e porque o direito positivo, que do Estado emana, só
encontra legitimidade quando se conforma as leis eternas e imutáveis da
natureza.
Limita a soberania o Direito
Grupal, porque sendo o fim do Estado a segurança do bem comum, compete-lhe
coordenar a atividade e respeitar a natureza de cada um dos grupos menores que
integram a sociedade civil. A família,
a escola, a corporação econômica ou sindicato profissional, o município ou a comuna
e a igreja são grupos intermediários entre o indivíduo e o Estado, alguns
anteriores ao Estado, como é a família, todos eles com sua finalidade própria e
um direito natural à existência e aos meios necessários para a realização dos
seus fins.
O poder da soberania
exercido pelo Estado encontra fronteiras não só nos direitos da pessoa humana
como também nos direitos dos grupos e associações, tanto no domínio interno
quanto no internacional.
Notadamente no plano
internacional, a soberania é limitada pelos imperativos da coexistência de
Estados soberanos.
Teoria Geral do Estado
1. Conceito
2. Fonte do Poder
Soberano
3. Diversas Teorias
3.1. Teoria da soberania absoluta do rei
3.2. Teoria da soberania popular
3.3. Teoria da soberania nacional
3.4. Teoria da soberania do Estado
SOBERANIA 3.5. Escolas
alemã e austríaca
3.6. Teoria negativista
3.7. Teoria realista ou institucionalista
Direito Natural
4. Limitações Direito Grupal
D. Internacional
(coexistência Pacífica dos Estados)